´Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele" Lévi Strauss

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Após o incêndio...


"Deus criou todas essas gentes infinitas, de todas as espécies, mui simples, sem finura, sem astúcia, sem malícia, mui obedientes... [...]; mui humildes, mui pacientes, mui pacíficas e amantes da paz, sem contendas, sem perturbações, sem querelas, sem questões, sem ira, sem ódio e de forma alguma desejosos de vingança. São também umas gentes mui delicadas e ternas. São gente pobre que possui poucos bens temporais, nem mesmo são soberbos, nem ambiciosos, nem invejosos. [...] Têm o entendimento mui nítido e vivo; são dóceis e capazes de toda boa doutrina."  
Frei Bartolomeu de Las Casas.*

Ontem, dia 28 de dezembro, depois de conseguirmos arrecadar um bom número de doações, levamos a aldeia Rio Silveira, para entregar as vítimas do incêndio relatado na postagem anterior. Seguimos estrada debaixo de forte chuva e neblina, mas a vontade de estar logo entre eles era muito maior que o frio da estrada.

Assim que chegamos, nos encontramos com um representante da Funai, Márcio, o qual também já estava levando doações às famílias desabrigadas, e logo depois, chegou também um caminhão da Funai, com o material necessário para a reconstrução das novas ocas. O órgão foi muito rápido e eficiente nessa questão.

Notamos a felicidade e contentamento quando dividiram as caixas que levamos. Todos pegavam alguma coisa, mas somente tiravam aquilo que realmente precisavam, deixando sempre para o outro que chegaria depois. Roupas, calçados, brinquedos de toda a sorte, eram divididos justamente entre todos os membros do grupo. 

Foi muito bom perceber a alegria no rosto de todos eles. O conforto que receberam, pouco foi, se comparado a satisfação que nos davam, por estarem felizes.

Liviane, uma indiazinha de onze anos me abraçou, com uma bolsa dourada que ganhou das doações e disse: "Você me dá uma boneca?" Sim, minha pequena índia, lhe darei essa boneca grande de cabelos pretos que você me pediu, pois mais do que me pede, maior é a alegria e o amor que você nos faz sentir.

Em breve as famílias estarão novamente em suas novas ocas, e novos projetos estão sendo criados para melhorar a qualidade de vida dessas famílias. Para que possam continuar vivendo dentro de sua cultura, com algum conforto. A troca de conhecimentos é inenarrável, e sei que muito tenho a aprender com eles, mas pouco tenho a ensiná-los.

Ainda continuamos a aceitar doações, visto que as necessidades materiais da comunidade são enormes.
Nossos agradecimentos especiais ao Espaço de Dança Maktub e a Tina Domingos, que tão carinhosamente abraçou a obra e angariou doações maravilhosas para um momento tão difícil. Nossos agradecimentos a todos aqueles que de alguma maneira continuam nos incentivando a prosseguir nessa jornada!


Gratidão a todos!
Sandra e Wilner
Contato para doações:

Sandra Baptista: (011) 8129-1471
email: peladignidadehumana@terapiasecursos.com.br


*LAS CASAS, Frei Bartolomeu. Paraíso Destruído, O. pag. 27

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Natal na Aldeia


 
O Natal não é uma data comemorada pelos nossos indígenas, até porque não faz parte de sua cultura, e sim trata-se de uma festa absolutamente cristã.
Mas, aproveitamos a folga, e fomos para a aldeia, passar o dia com nossos amigos.
Uma surpresa, nos toma de assalto logo na entrada da reserva, quando nos deparamos com 3 ocas absolutamente queimadas por um incêndio ocorrido no dia 23 de dezembro, sexta-feira.
Todos os seus poucos objetos foram perdidos, como utensílios de cozinha e roupas. A comida não lhes falta, porque outras famílias os acolheram com alimentos, porém, os desabrigados, estão morando em cabanas improvisadas de plástico e lona, no meio dos terrenos de outras ocas.
Ficamos muito tristes com o acontecido, não por ser Natal, que para eles trata-se de um dia comum, mas pela sua perda, pela sua tristeza.
Não ouvimos nenhuma lamentação, mas a tristeza era clara nos olhos da senhora de mais ou menos 70 anos, que nos dizia: "A comida não falta, graças a Nhanderú, mas nem 'calcinha' eu tenho mais."

Esta semana estaremos levando doações que conseguimos levantar, tais como calçados, roupas e brinquedos.

Nossos agradecimentos a Tina Domingos, que tão gentilmente se mobilizou para a arrecadação na escola de dança Maktub.  Agradecemos a Wander Yukio, que estando conosco no dia da visita, retirou seus chinelos e doou no mesmo instante, ao indígena que perdeu seu único par tentando socorrer as vítimas do incêndio.

Aceitamos carinhosamente toda a ajuda que puderem nos dar, para melhorar as condições materiais dessas famílias que perderam suas ocas.
Gratidão a todos!
Sandra Baptista
Contato para doações:
(011) 8129-1471
e-mail: atendimento@terapiasecursos.com.br


Reserva Indígena Rio Silveira


 A Reserva Indígena Guarani do Rio Silveira está localizada na Mata Atlântica e faz divisa com os municípios de Bertioga e São Sebastião. Situada na Região Sul do município no bairro de Boracéia, está  a 60 KM aproximadamente do Centro Histórico de São Sebastião. 
Um belíssima praia de areias muito brancas e água verde clarinha, está há menos de 1 km distante da reserva, que é privilegiada pela riqueza da vegetação. Montanhas e cachoeiras ficam ao final, onde uma água muito limpa escorre pelas pedras milenares, embelezando ainda mais a paisagem.
Mesmo com a invasão do branco nas comunidades indígenas, seja para apoiar ou por curiosos, a cultura indígena dos Guaranis vem se mantendo, pois sua característica de vida reflete em sua cultura. 
Na Reserva do Rio Silveira, a cultura vem se mantendo e a cada evento realizado se reforçando, pois as tradições indígenas vem sendo passadas através da oralidade pelos ancestrais.
Os índios tem como moradia pequenas casas construídas em pau-a-pique coberta com palha e ou casas construídas com madeira da própria Aldeia, coberta com piaçava. A alvenaria, a madeira e a palha se misturam em sua construção, trazendo características indígenas bastante pronunciadas, e um pouco do conforto ocidental, como banheiros individuais para cada oca.
Os índígenas vivem economicamente do cultivo e comércio  de produtos agrícolas como o palmito, a pupunha; plantas ornamentais como orquídeas, bromélias e bastão do imperador e o artesanato indígena que é a base principal de sua atividade. Os produtos comercializados são responsáveis pelo desenvolvimento econômico da comunidade e a renda obtida com o comércio dos produtos, são investidos na complementação da renda das famílias envolvidas na produção. Não há produção de excedentes. Toda caça e doações recebidas gentilmente, são divididas entre todos os membros do grupo em partes iguais.
Quando existe um problema de saúde, segundo depoimentos que colhi entre os indígenas habitantes locais, primeiramente procuram a ajuda do pajé da comunidade, que com seus métodos de cura, busca o equilíbrio físico e emocional do doente. Somente se o caso realmente não for resolvido, então o serviço médico da prefeitura é procurado. 
Existe também uma escola de ensino fundamental, onde aprendem em sua língua, o guarani, e em português, que passa a ser introduzido, para as crianças após os 7 anos de idade.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Comentando: Situação indígena nas Américas

Gravura de Debret mostrando índios sendo escravizados por portugueses

[...] Na verdade, o que aconteceu é que o mecanismo empreendido para o extermínio dos indígenas simplesmente agora atingiu certa "perfeição" graças aos meios técnicos atuais: rajadas de metralhadoras e bombardeios aéreos, distribuição de alimentos e roupas previamente infectadas por micróbios, bombons envenenados... História de ontem, história de quatro séculos, história de hoje..." (BUENO, Eduardo).

A situação indígena na atualidade, traz na verdade resquícios cruéis de um passado histórico que vem se desenvolvendo nos últimos 500 anos desde a colonização das Américas.

"Somos vencidos. Ganharam a guerra. Nós perdemos por acreditar neles." (GALLEANO, E.).
LEON-PORTILLA, mostra claramente em sua historiografia a desistência paulatina dos indígenas, visto que qualquer tentativa de sobrevivência de sua antiga forma de vida seria inútil. "O quéchua* aprendeu em seu íntimo a desprezar os "inimigos barbudos". Com uma mistura de ironia, de motejo e de medo, continuou chamando os espanhóis de huiracochas. Aprendeu a baixar a cabeça e a temer os conquistadores e encomenderos. Como seus irmãos astecas e maias, aceitou a nova religião, mas conservou tradições e crenças dos tempos antigos. A posterior conclusão do quéchua foi resignar-se em meio à desgraça."

GALLEANO, ironicamente cita em sua crônica: "Os índios são bobos, vagabundos; bêbados." A desestruturação dessa sociedade gerada pela violência espanhola, leva os índios a uma decadência física, moral e emocional. "Um dos sintomas mais dramáticos da desintegração da cultura nativa e da angústia a que ela dava origem era o alcoolismo: um fenômeno observado por todos os cronistas" (WACHTEL, Nathan).

Os índios/2




A linguagem como traição: gritam carrascos para eles. No Equador, os carrascos chamam de carrascos as suas vítimas:

- Índios carrascos! - gritam.

De cada três equatorianos, um é índio. Os outros dois cobram dele, todos os dias, a derrota histórica.
- Somos os vencidos. Ganharam a guerra. Nós perdemos por acreditar neles. Por isso - me diz Miguel, nascido no fundo da selva amazônica.

São tratados como os negros na África do Sul: os índios não podem entrar nos hotéis ou nos restaurantes.

- Na escola metiam a lenha em mim quando eu falava a nossa língua - me conta Lucho, nascido ao sul da serra.

- Meu pai me proibia de falar quecha. É pelo seu bem, me dizia - recorda Rosa, a mulher de Lucho.

Rosa e Lucho vivem em Quito. Estão acostumados a ouvir:
- Índio de merda.

Os índios são bobos, vagabundos, bêbados. mas o sistema que os despreza, despreza o que ignora, porque ignora o que teme. Por trás da máscara do desprezo, aparece o pânico: estas vozes antigas, teimosamente vivas, o que dizem? O que dizem quando falam? O que dizem Linkquando calam?

Eduardo Galeano - O Livro dos Abraços

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Pensando na sociedade...


“Como etnólogo, só posso constatar que o mundo contemporâneo perdeu a fé em seus próprios valores. Sei que este não é nem o nosso problema principal, mas todos sabemos que, no final das contas, nenhuma civilização pode se desenvolver se não possui valores aos quais se agarrar profundamente. Acredito, por sinal, que nenhuma civilização possa sequer se manter na situação em que a nossa se encontra.” - Entrevista à “Veja”, 2003.

Prece Indígena


Oh! Grande Espírito
- cuja voz eu ouço nos ventos,
e cujo alento dá a vida
a todos no mundo.

Ouve-me!

Sou pequeno e fraco,
necessito de tua força e sabedoria.

Deixa-me andar em beleza,

e faz meus olhos contemplarem

sempre com amor
o vermelho púrpura do por-do-sol.

Faz com que minhas mãos
respeitem as coisas que fizestes.

E meus ouvidos sejam aguçados
para ouvir tua voz.
Faz-me sábio para que eu possa
compreender as coisas que
ensinaste ao meu povo.

Deixa-me aprender as lições
que escondeste em cada folha,
em cada rocha.

Eu busco a força,
não para ser maior que meu irmão
mas para lutar contra meu maior inimigo
- Eu mesmo.

Faz-me sempre pronto
para chegar a Ti com as mãos limpas
e o olhar firme,
a fim de que quando a vida se apagar,
como se apaga o poente,
meu espírito possa chegar a Ti
sem se envergonhar.