Olá!
O Blog Pela Dignidade Humana, conversou com Pepe Chaves, sobre a produção do documentário Coração Guarani. Saiba a respeito...
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Pepe Chaves - jornalista Via Fanzine |
O jornalista Pepe Chaves,
48 anos, nasceu em Itaúna-MG e reside em Belo Horizonte-MG, é jornalista e trabalha
como editor e redator para a Rede Via Fanzine de
portais e para o diário digital Via Fanzine
durante quase 20 anos. É artista gráfico, escritor, músico, compositor e produtor
para a TV
Fanzine, para a qual atua também como diretor de vários documentários
produzidos neste primeiro ano de fundação da referida emissora digital.
Escreveu juntamente com Sandra Baptista, o documentário em vídeo “Coração Guarani”, o qual também produziu e dirigiu. Esse
documentário, apresentando imagens e trilha sonora originais, aborda aspectos
do cotidiano da aldeia indígena guarani na Reserva Rio Silveiras, localizada em
São Sebastião, litoral Norte do Estado de São Paulo.
DH: Qual é a
proposta da TV Fanzine ao produzir um documentário destacando a cultura de uma
sociedade indígena?
Pepe Chaves: Primeiramente, para
se registrar o que se passa na atualidade nessa aldeia, que é uma das muitas
pelo país que vêm sofrendo descaracterizações, sobretudo, pelo contato e as fortes
influências da cultura branca. Também, pelo desejo puro de tornarmos público os
costumes, a bela ritualística guarani e seus cânticos, realçando a necessidade
de preservação destes valores culturais nativos. Também, porque a TV Fanzine
tem por premissa, investir em produções de baixo custo – até porque, não temos
recursos, vez que não contamos com nenhum apoio ou patrocinador -, mas, em
contraponto, sempre envolvendo temáticas inéditas ou pouco tratadas (como é o
caso aqui). Ou seja, a nossa própria falta de recursos de ordem tecnológica e
orçamentária dentro da TV Fanzine, nos força a apresentar, trabalhos modestos,
mas, cada vez mais, trazendo o novo, o inédito, o exclusivo. Assim, a
excelência do conteúdo de nossos documentários procura compensar as
deficiências técnicas. E tudo isso pode ser constatado nas produções de denodado
valor histórico e ou cultural, independente da temática tratada, as quais temos
trazido à luz neste último ano.
DH: Como surgiu a
ideia de se produzir o documentário “Coração Guarani”?
PC: Bom, para mim tudo
se iniciou quando vi algumas fotos que a Sandra Baptista e o Wilner Forini fizeram
na aldeia da Reserva Rio Silveiras, em São Sebastião-SP, no final de 2011.
Estas fotos mostrando as pessoas da aldeia foram postadas por um nosso amigo em
comum no Facebook, o Marcus Elísio Silva, de Itaúna-MG, e quando as vi, achei
maravilhosas. A meu pedido, o Marcus me colocou em contato com a Sandra
Baptista, que aceitou prontamente à minha proposta para registrarmos as suas
imagens (vídeos e fotos) no formato de um documentário musical.
DH: O que você
espera de resposta do público acerca do conteúdo apresentado nesse trabalho?
PC: Olha, do público
em geral não esperamos resposta alguma. As pessoas estão mais preocupadas com outras
coisas, como novelas, intrigas da vida real ou fofocas sobre celebridades, do
que com qualquer documentário que possa lhes acrescentar doses culturais que
possam ser úteis agora ou em um dia. Às vezes, me espanta o desinteresse popular
pela história, os costumes e as culturas, dando lugar ao apego pelo fútil e
ininteligível. Todo o nosso rico arsenal cultural brasileiro está se desfazendo
rapidamente e de maneira acentuada nestas últimas décadas. É um castelo de
areia sob o sol quente. E, se esse canibalismo cultural, permeado pelas investidas
medíocres do merchandising capitalista da mídia, das grandes produtoras e
fabricantes de entretenimento e diversão já é capaz de devorar o que há de mais
precioso nas culturas brancas, o que dirá com relação às culturas indígenas? Então,
sabemos que poucas pessoas valorizam esse tipo de conteúdo não fictício – já
obtivemos boas respostas destas -, mas esperamos que no futuro isso possa ser
revertido através da Educação, até porque, o que mostramos hoje, em futuro
breve, não deverá existir mais.
DH: O que chamou
sua atenção para a produção desse documentário sobre a Reserva Indígena Rio
Silveiras?
PC: A necessidade de
se mostrar o que se passa com as pessoas do lugar. E de se perguntar o que pode
ser feito para reter, estancar ou diminuir o rápido derrame dessa cultura
milenar, que está escorrendo por entre os nossos dedos nesse momento. Vi que
poucas pessoas sabem da existência dessa aldeia, situada praticamente aos pés
da maior metrópole da América Latina. É provável que daqui a poucas décadas ou
anos, essa aldeia guarani já esteja conectada de todas as maneiras possíveis e
em sintonia com as demais localidades do mundo. É provável que daqui a 30 anos,
os curumins que teremos em Rio Silveiras (assim como qualquer outra criança, de
qualquer parte do mundo), vão querer saber é de computador, games, celulares e
outros aparatos tecnológicos da época. Não mais de tacape ou arco e flecha.
Aliás, temos visto que isso já ocorre atualmente: índio não quer apito; quer é computador.
E isso é natural, desde que o progresso dê as caras. Então, logo, muito do que
se vê registrado agora pelas nossas lentes já terá cedido o seu lugar na
aldeia, para “benesses comuns”, como, eletrônica, telefonia, informática e
outros recursos tecnológicos de massa. E, a sedução geral por esses aparatos já
vêm deglutindo muitos aspectos dessa e de outras culturas milenares espalhadas
pelo globo e de uma maneira bem acentuada nestas últimas décadas.
DH: Você já havia
tido contato com tribos indígenas?
PC: Infelizmente,
ainda não mantive contato diretamente em aldeias. Mas pretendo, assim que for
possível, fazer uma visita à reserva Rio Silveiras. No entanto,
particularmente, sempre tive uma forte ligação com a natureza e, em especial,
com as matas e águas doces. Não consigo ficar por muito tempo longe desses
locais, sinto certa necessidade. Sempre que posso, aqui em Minas Gerais, me
refugio em locais ermos, às vezes, sozinho, e de preferência, com uma límpida cachoeira
por perto. Ademais, sinto uma forte atração pelas culturas e o modo de vida dos
povos aborígenes da Terra. Inclusive, já “me falaram” que fui índio xamã em
outra vida...
DH: Esse contato
com a cultura indígena modificou sua ótica a respeito deles?
PC: Não diria que
modificou, pois já tinha certa consciência da situação enfocada, mas digo que realçou
a visão que eu tinha desse “choque cultural”, onde o elemento mais forte sempre
devora o menor. Até porque, acompanho já por algum tempo, embora
superficialmente, o lento urbanizar das nossas aldeias indígenas. Inclusive, soubemos
recentemente que há no Estado do Mato Grosso, algumas localidades que sofrem
com isso, por conta do assédio de determinados pastores evangélicos contra
povos indígenas. De acordo com reportagens locais, estes pastores, sem o menor
respeito à cultura nativa, têm perseguido e taxado de “satânicos” os objetos e
rituais dos povos indígenas, objetivando cooptá-los à religião. Nesse caso, ultrapassou
a falta de respeito e virou aliciamento religioso mesmo; verdadeiro caso de polícia.
DH: Percebemos que
seu cuidado foi muito grande na produção, apresentando uma trilha sonora
inédita. Como foi essa escolha?
PC: A escolha foi
muito natural e fiquei muito feliz com o resultado final da trilha sonora
original. Também muito me alegrou o fato de fecharmos o documentário com uma
música de minha co-autoria, “Índios Urbanos”, composta no longínquo ano de
1989, quando integrávamos a banda autoral Elfos, em Itaúna. E, embora tenha
sido composta faz 23 anos, como se pode ver e ouvir, esta canção caiu uma luva
para a temática indígena abordada nestes tempos atuais.
DH: Como surgiu a
ideia de se misturar na trilha sonora de “Coração Guarani”, estilos tão
distintos, como, MPB, New Age e cânticos indígenas?
PC: Olha, a ideia de
se misturar música popular, com new age e cânticos indígenas ao longo desse
documentário foi se fazendo e combinando por si. Tudo foi se identificando e
tomando o seu lugar, se acomodando durante a edição e a montagem. E confesso que
apreciei muito o resultado final, que ficou além das minhas primeiras expectativas.
Foi uma bela mescla musical, que transpira exatamente àquilo o que desejamos estampar
como pano de fundo às imagens e situações apresentadas. Além disso, ao longo do
documentário, há várias mixagens entre estes estilos musicais, às vezes,
fundindo uma música com outra nas passagens, dando ares muito particulares a
este trabalho.
DH: Você pode nos
falar um pouco dos trabalhos autorais da trilha sonora?
PC: A princípio, eu
pensava em usar na trilha sonora a música “Ribombo” de autoria e interpretação
da cantora mineira Daniela Starling e uma música de minha autoria, em parceria
com Fernando Chaves e Adilson Rodrigues, chamada “Índios Urbanos”, gravada
recentemente por Fernando Chaves e Noca Tourino. Mas logo depois que acertamos a
produção do documentário, a Sandra Baptista me apresentou o músico e compositor
paulista Fúlvio Perini (F.C. Perini) e sugeriu a inclusão de algumas músicas
dele. Assim que ouvi suas músicas, a sugestão foi aceita e a entrada de Perini
no projeto veio a calhar. Perini compôs com exclusividade, a belíssima música
tema “Coração Guarani” que abre o documentário e que também é “salpicada” ao
longo de sua extensão. Além disso, duas outras belas canções instrumentais de
temática indígena, compostas e interpretadas por F.C. Perini também foram
inclusas na trilha, são “Wind Voice” e “Dakota Spirit”. Depois, Fernando Chaves
me apresentou o som da banda Diróki, de Belo Horizonte, que traz músicas e
motivos indígenas no seu CD. Então, dessa banda utilizamos um trecho da canção
“Nus” (autoria de Thelma Rosa) para compor uma vinheta que criamos, através de
uma mixagem da banda Diróki com um coral de curumins, cujo resultado considero excepcional.
E, por fim, me veio a ideia de incluir na abertura da parte final, a música
“Crepúsculo Lunar”, do extinto grupo musical autoral Mágicos de Nós, de Itaúna,
cuja letra fala de uma “ordeira aldeia lunar”. Esta canção também foi gravada recentemente
pelos músicos Fernando Chaves e Noca Tourino, sendo de autoria dos compositores
itaunenses, nossos queridos amigos, Maurício Lima, Anatoli Lôra e Abelardo
Matos, que autorizaram a sua inclusão na trilha sonora de Coração Guarani.
DH: Fale um pouco
sobre a produção desse trabalho.
PC: São 60 minutos de
muitas imagens, músicas, cânticos, entrevistas e relatos. Para cada minuto
produzido foram gastas algumas boas horas, que não sei estimar uma média
correta. O documentário foi montado e concluído ao longo de 10 meses,
apresentando duas partes, cada qual com 30 minutos de duração. Focamos detalhes
acerca do modo de vida na aldeia e as particularidades daquele povo guarani,
como a cultura, a arte, a educação, os rituais, entre outros. Uma preocupação
da produção foi colocar tudo da maneira mais natural possível, procurando
colocar o expectador dentro da realidade da aldeia.
DH: Você pretende
dar continuidade a esse projeto?
PC: Com certeza,
pretendemos produzir outros trabalhos similares. Há muitos valores para se
mostrar sobre os povos da nossa imensa nação brasileira, mas que, por influências
de ordem comercial ou por pura ignorância, são assuntos que acabam ficando de
fora das pautas da grande mídia. A reserva Rio Silveiras se encaixa aí e, assim
como esta, já soubemos de outras reservas indígenas em situações similares. Pretendemos,
oportunamente, abordar também o que se passa nestas aldeias. Também é possível
voltarmos a documentar sobre outros aspectos da própria reserva Rio Silveiras, talvez,
dentro de um futuro relativamente breve.
DH: Por favor, nos
deixe suas considerações finais.
PC: Gostaria de
agradecer ao blog Pela Dignidade Humana por nos conceder essa
oportunidade para falar desse nosso modesto trabalho que, por sinal, marca um
ano de fundação da TV Fanzine (www.viafanzine.jor.br/tvf.htm), completo no dia 16/09/2012.
E por fim, quero agradecer de coração a todo o povo da aldeia Rio Silveiras e
também aos nossos amigos e parceiros que fizeram as reportagens, os músicos e
compositores já citados aqui e demais pessoas que ajudaram a tornar possível
este histórico empreendimento. E por fim, gostaria de convidar todos para
assistir o documentário “Coração Guarani”, partes 1 e 2, que podem ser vistas clicando aqui.
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Pepe
Chaves – BH-MG-08/09/2012