´Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele" Lévi Strauss

sábado, 13 de outubro de 2012

Xamanismo Urbano



indio lakota



Olá, amigos!
Tenho acompanhado há algum tempo um movimento na internet quem vem me despertando muito a atenção. Sites, blogs, postagens em redes sociais, falando sobre o povo Lakota, um povo indígena localizado no que hoje chamamos de território estadunidense, ou norte-americano, como alguns preferem.
Um dia, perguntei o por quê desse culto repentino aos lakotas, e responderam-me que é por eles terem uma “noção espiritual”. Desculpem-me, mas essa é uma visão muito equivocada da maioria das pessoas, pois todo indígena, independente da sua etnia, não tem noção alguma da espiritualidade. Noção quem tem, somos nós desse mundo ocidental, uma cultura europeia, empobrecida espiritualmente pelos interesses do capital.
O Indígena não vê diferença entre o mundo material e espiritual, simplesmente por que esses dois mundos não funcionam um sem o outro, portanto, não há lugar para "noção". Eles vivem em conexão permanente entre o visível e o invisível, pois tudo está pleno de sentido de Unidade.
Infelizmente, aqui no Brasil, está ocorrendo essa onda de mistificar o povo Lakota, pois o brasileiro  está sempre querendo valorizar o que vem de fora..até mesmo o que se trata de indígena! Mistificam, dizem até ser lakotas encarnados, mas sinceramente, não posso acreditar nisso, pois se fosse verdade, teríamos mais pessoas preocupadas com a situação do indígena...
O que vejo é uma necessidade que as pessoas têm de preencherem uma lacuna que o mundo materialista deixou,  de se sentirem "espiritualizadas" se apegando a símbolos externos de expressão espiritualista...
Se essa “imigração-espiritual-indígena” fosse verdade, a sociedade estaria melhor e com certeza estaria envolvida com os movimentos pró-indígenas. Mas o que vemos é justamente o contrário... Pouquíssimas pessoas querem saber como vive um indígena, ninguém ou quase ningúem deseja saber de suas lutas, de suas dificuldades com o mundo do branco. Da fome que andam passando, devido à falta de recursos naturais das poucas terras que lhes sobraram, das mortes que até hoje provocam entre comunidades inteiras, que acabam por desaparecer misteriosamente. Ninguém quer saber de nada... Porém cultuam figuras de "sábios indígenas", fazem até tambores, enfeites com penas, entretanto, nunca estudaram sequer um texto sério a respeito dessa cultura....

           Estudo essas culturas há mais de um ano. Li e leio textos profundos de verdadeira reflexão a respeito de seus costumes. Mais do que isso, convivo com indígenas, criei laços afetivos, relembrei muitas vidas que sempre vivi entre eles, e fico muito...muito triste com o que ando observando por aí... essa superficialidade na internet.
cores da bandeira estadunidense
Fotos de índios vestidos com as cores da bandeira estadunidense com nomes romanescos, falando em nome do Cristo... Bartolomeu de Las Casas, missionário que lutou pela causa indígena, desde a descoberta da América até sua morte em 1566, nos relata em seu livro,


“O cacique disse incontinenti, sem mais pensar, que não queria absolutamente ir para o céu; queria ir para o inferno a fim de não se encontrar no lugar em que tal gente se encontrasse.” (LAS CASAS,p.41)


Um cacique disse isso em rejeição às crueldades praticadas em nome de Deus sobre esses povos, e hoje o que vemos são expressões ritualísticas, com motivos cristãos se dizendo “Lakota”...
 É a perene incoerência e a total falta de informação real. Tudo isso é muito triste, e quem realmente se preocupa e vai a fundo nesse conhecimento, não tem como ficar feliz com esse folclore todo que andam inventando na internet.
 Falo como uma pessoa com heranças fortíssimas da cultura indígena, que até hoje estão não só em meu sangue, mas na minha forma de ver o mundo...Falo como uma pessoa que realmente se preocupa, que estuda e pesquisa a esse respeito, com argumentos e vivências verdadeiras...Que de alguma maneira, procura interagir e respeitar uma cultura tão rica, tão especial, tão adorável!
É muito triste, ver o que resta da cultura do meu povo sendo destruída aos poucos com tanta crueldade. O desrespeito nas cidades, nas redes sociais é muito grande, como sempre foi. Pessoas postando fotos de indiozinhos bonitos como se realmente preocupassem com eles! O meu coração sangra, quando vejo tanta futilidade, tanta fajutagem, tanta falta de verdade.
É assustador observar a  superficialidade de pessoas falando serem “xamãs”, fazendo cursos de finais de semana, e sua falta de ligação com a natureza é tão intensa, que não são capazes de criar sequer um pé de feijão em suas casas.
Touro Sentado
Troco conhecimento com amigos indígenas que estão fazendo a ponte entre o branco o índio, participo da comunidade guarani, conheço a história das principais etnias, e sei muito bem o que anda acontecendo por aí... E me dói demais, saber que o mundo ocidental está transformando essa cultura, em mais um signo de consumo espiritual...
Desculpem-me, amigos, o desabafo, mas tenho visto e lido coisas que realmente machucam qualquer pessoa realmente envolvida como eu...

            O povo indígena precisa e merece respeito. Necessita ser ouvido, ser olhado com consideração. E não olhado como um “objeto de cultura espiritual”.
Conforme Eduardo Bueno,

Na verdade, o que aconteceu é que o mecanismo empreendido para o extermínio dos indígenas simplesmente agora atingiu certa “perfeição” graças aos meios técnicos atuais: rajadas de metralhadoras e bombardeios aéreos, distribuição de alimentos e roupas previamente infectadas por micróbios, bombons envenenados... História de ontem, história de há quatro séculos, história de hoje... (BUENO, 1984, p. 25)

O indígena continua sendo desrespeitado em todos os sentidos, e religiosamente, esse desrespeito vem disfarçado de “xamanismo urbano” mostrando um costume que não é indígena, um indígena vestido com motivos estadunidenses, e assim a cultura da exploração e da conquista prevalece através dos séculos.
“Assassinaram a muitas nações, tendo chegado mesmo a fazer desaparecer os idiomas por não haver ficado quem os falasse.” (LAS CASAS,p.95)
Assim, o silenciamento continua....  

por Sandra Mara Potey-Miri

Fonte: LAS CASAS, Bartolomeu.O Paraíso Destruído.Ed. P&PM Pocket.2011

2 comentários:

  1. Parabéns Sandra, pelo texto. É triste ver como a cultura indígena vem sendo descaracterizada, dilapidada , e utilizada por pessoas oportunistas e sem escrúpulos, unicamente com objetivos comerciais.

    Sempre tive enorme carinho e admiração pelas culturas indígenas, especialmente pela Lakota, e acho louvável as ações para conscientizar as pessoas a respeito do que vem ocorrendo em detrimento destas culturas.

    F.C. Perini

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    1. É sim, Fulvio... é muito triste... dói demais! Há quase 600 anos isso vem acontecendo... Obrigada por visitar nosso blog! beijos e luz

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Gratidão pelo comentário!!! Paz profunda!!!