´Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele" Lévi Strauss

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Flor da Terra


Flor da terra
 Com a  a invasão do europeu no continente americano,  houve o maior genocídio da história da Humanidade. Desde então, milhões de indígenas foram cruelmente assassinados, tiveram suas terras roubadas, seus valores morais, espirituais e afetivos violentados indiscriminadamente.
Com esse último evento dos Guarani-Kaiowá, prometendo cometer suicídio, caso os tirassem de suas terras, nos leva a uma reflexão profunda a respeito desse episódio. Será mesmo um suicídio, ou estão sendo induzidos a tirarem suas próprias vidas, como um sinal de resistência, quando na verdade, são os fazendeiros com anuência do governo é que os empurram para essa iniciativa extrema? Não será mais confortável para a sociedade achar que eles se mataram porque quiseram?
Nos anos de 2000 a 2011, segundo o Ministério da Saúde, foram cometidos 555 "suicídios", entre os Kaiowá. Esse número é considerado uma das maiores taxas do mundo.
Tanta crueldade, e ainda acreditamos que essa triste iniciativa seja realmente um "suicídio"...
Quando Carl Jung, psiquiatra suiço (1875-1961) conviveu com os índios Pueblo da América entre 1925-1926, conclui que "Aquilo que do nosso ponto de vista chamamos colonização, missões aos pagãos, difusão da civilização, etc, tem outra face: a face de uma ave de rapina procurando com diligente crueldade presas distantes - uma face digna de piratas e de salteadores de estrada." (p.18)
Segue trecho de uma matéria publicada pelo Jornal MST:

"O resultado desastroso do uso da terra foi lamentado pelos líderes e professores Kaiowá em carta de 17 de março de 2007:
 - O fogo da morte passou no corpo da terra, secando suas veias. O ardume do fogo torra sua pele. A mata chora e depois morre. O veneno intoxica. O lixo sufoca. A pisada do boi magoa o solo. O trator revira a terra. Fora de nossas terras, ouvimos seu choro e sua morte sem termos como socorrer a Vida.
Para os Guarani, o que aconteceu foi um estupro, ferindo de morte a sinhazinha natureza. A relação deles com a terra é amorosa, eles não se consideram donos da terra, mas parceiros dela. Ela é o tekoha, o lugar onde cultivam o modo de ser guarani, o nhanderekó. "Guardamos com a terra" - diz o kaiowá Tonico Benites - "um forte sentimento religioso de pertencimento ao território".Não é a terra que pertence ao Guarani, mas o Guarani que pertence à terra.
O professor guarani Marcos Moreira, quando foi meu aluno no curso de formação de professores, entrevistou o velho Alexandre Acosta, da aldeia de Cantagalo (RS) que, entre outras coisas, falou:
- Esta terra que pisamos é um ser vivo, é gente, é nosso irmão. Tem corpo, tem veias, tem sangue. É por isso que o Guarani respeita a terra, que é também um Guarani. O Guarani não polui a água, pois o rio é o sangue de um Karai. Esta terra tem vida, só que muita gente não percebe. É uma pessoa, tem alma. Quando um Guarani entra na mata e precisa cortar uma árvore, ele conversa com ela, pede licença, pois sabe que se trata de um ser vivo, de uma pessoa, que é nosso parente e está acima de nós.
Os líderes Kaiowá reforçam essa relação com a terra quando lembram, na carta citada, que o criador do mundo criou o povo Guarani para ter alguém que admirasse toda o esplendor da natureza."O nosso povo foi destinado em sua origem como humanidade a viver, usufruir e cuidar deste lugar, de modo recíproco e mútuo" - escreve o kaiowá Tonico Benites, doutorando em antropologia. "Por isso, nós somos a flor da terra, como falamos em nossa língua: Yvy Poty" - completam os líderes Kaiowá.
Se a terra é um parente, a relação com ela deve ser de troca equilibrada, de solidariedade. É como a mãe que dá o leite para o filho. Ela dá, sem pensar em cobrar. Ela não cobra nada, mas socialmente espera que um dia, se precisar, o filho vai retribuir."

A sociedade ocidental, tem com a terra uma relação absolutamente comercial-capitalista. A terra é tida como um objeto de troca, cujo valor monetário é a única consideração a se fazer. Desprezam totalmente a ligação afetiva do indígena com a terra, e lhes dão o nome de povos primitivos, por simplesmente respeitarem seu habitat, por verem a terra como um organismo vivo que merece todo o respeito e reverência.
Essa forma de vida (indígena), se sustenta, ainda que com dificuldades, há milhares de anos, ao passo que nós,  produtos da selvageria capitalista, com apenas 6 ou 7 séculos, estamos decretando a morte de um planeta, que tão gentilmente nos acolheu...
É preciso repensar...é preciso reinventar uma nova forma de vida mais simpática a natureza, mas respeitosa com todos os seres viventes....
Sandra Mara Potey-Miri
Historiadora

SILVEIRA, Nise. JUNG-Vida e Obra. 22a. Edição.Editora Paz e Terra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gratidão pelo comentário!!! Paz profunda!!!