´Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele" Lévi Strauss

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Comentando: Situação indígena nas Américas

Gravura de Debret mostrando índios sendo escravizados por portugueses

[...] Na verdade, o que aconteceu é que o mecanismo empreendido para o extermínio dos indígenas simplesmente agora atingiu certa "perfeição" graças aos meios técnicos atuais: rajadas de metralhadoras e bombardeios aéreos, distribuição de alimentos e roupas previamente infectadas por micróbios, bombons envenenados... História de ontem, história de quatro séculos, história de hoje..." (BUENO, Eduardo).

A situação indígena na atualidade, traz na verdade resquícios cruéis de um passado histórico que vem se desenvolvendo nos últimos 500 anos desde a colonização das Américas.

"Somos vencidos. Ganharam a guerra. Nós perdemos por acreditar neles." (GALLEANO, E.).
LEON-PORTILLA, mostra claramente em sua historiografia a desistência paulatina dos indígenas, visto que qualquer tentativa de sobrevivência de sua antiga forma de vida seria inútil. "O quéchua* aprendeu em seu íntimo a desprezar os "inimigos barbudos". Com uma mistura de ironia, de motejo e de medo, continuou chamando os espanhóis de huiracochas. Aprendeu a baixar a cabeça e a temer os conquistadores e encomenderos. Como seus irmãos astecas e maias, aceitou a nova religião, mas conservou tradições e crenças dos tempos antigos. A posterior conclusão do quéchua foi resignar-se em meio à desgraça."

GALLEANO, ironicamente cita em sua crônica: "Os índios são bobos, vagabundos; bêbados." A desestruturação dessa sociedade gerada pela violência espanhola, leva os índios a uma decadência física, moral e emocional. "Um dos sintomas mais dramáticos da desintegração da cultura nativa e da angústia a que ela dava origem era o alcoolismo: um fenômeno observado por todos os cronistas" (WACHTEL, Nathan).

Os índios/2




A linguagem como traição: gritam carrascos para eles. No Equador, os carrascos chamam de carrascos as suas vítimas:

- Índios carrascos! - gritam.

De cada três equatorianos, um é índio. Os outros dois cobram dele, todos os dias, a derrota histórica.
- Somos os vencidos. Ganharam a guerra. Nós perdemos por acreditar neles. Por isso - me diz Miguel, nascido no fundo da selva amazônica.

São tratados como os negros na África do Sul: os índios não podem entrar nos hotéis ou nos restaurantes.

- Na escola metiam a lenha em mim quando eu falava a nossa língua - me conta Lucho, nascido ao sul da serra.

- Meu pai me proibia de falar quecha. É pelo seu bem, me dizia - recorda Rosa, a mulher de Lucho.

Rosa e Lucho vivem em Quito. Estão acostumados a ouvir:
- Índio de merda.

Os índios são bobos, vagabundos, bêbados. mas o sistema que os despreza, despreza o que ignora, porque ignora o que teme. Por trás da máscara do desprezo, aparece o pânico: estas vozes antigas, teimosamente vivas, o que dizem? O que dizem quando falam? O que dizem Linkquando calam?

Eduardo Galeano - O Livro dos Abraços

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Pensando na sociedade...


“Como etnólogo, só posso constatar que o mundo contemporâneo perdeu a fé em seus próprios valores. Sei que este não é nem o nosso problema principal, mas todos sabemos que, no final das contas, nenhuma civilização pode se desenvolver se não possui valores aos quais se agarrar profundamente. Acredito, por sinal, que nenhuma civilização possa sequer se manter na situação em que a nossa se encontra.” - Entrevista à “Veja”, 2003.

Prece Indígena


Oh! Grande Espírito
- cuja voz eu ouço nos ventos,
e cujo alento dá a vida
a todos no mundo.

Ouve-me!

Sou pequeno e fraco,
necessito de tua força e sabedoria.

Deixa-me andar em beleza,

e faz meus olhos contemplarem

sempre com amor
o vermelho púrpura do por-do-sol.

Faz com que minhas mãos
respeitem as coisas que fizestes.

E meus ouvidos sejam aguçados
para ouvir tua voz.
Faz-me sábio para que eu possa
compreender as coisas que
ensinaste ao meu povo.

Deixa-me aprender as lições
que escondeste em cada folha,
em cada rocha.

Eu busco a força,
não para ser maior que meu irmão
mas para lutar contra meu maior inimigo
- Eu mesmo.

Faz-me sempre pronto
para chegar a Ti com as mãos limpas
e o olhar firme,
a fim de que quando a vida se apagar,
como se apaga o poente,
meu espírito possa chegar a Ti
sem se envergonhar.


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Saudades do Brasil - Lévi Strauss

Uma reconstituição da experiência que o pensador francês, Lévi-Strauss, teve no Brasil, no início da carreira. O antropólogo, que chegou aqui em 1935, fazia parte da segunda leva de professores europeus que vieram dar aula na recém-criada USP.

Ficha Técnica:
Gênero: Documentário
Duração: 112 min
Ano: 2011
Produção: TV Senado

Comentando - A Sociedade contra o Estado - Pierre Clastres


Comentário sobre o texto A SOCIEDADE CONTRA O ESTADO de Pierre Clastres

Por Sandra Baptista

Reconhece-se habitualmente por civilização, a sociedade constituída por um povo comandado por um Estado. Ou seja, indivíduos delegam poderes a um sistema de governo que se predispõe a organizar e manter a ordem e o bem comum, baseado em leis e sistemas de “policiamento”. Tudo o que escapa além desse conceito é tido como marginal e inferior.

Para uma sociedade que se guia por valores de posses, domínios e absoluta intolerância quanto às diferenças de conceitos e concepção de vida, é praticamente incompreensível que outra sociedade possa evoluir de uma forma diferente.

As sociedades primitivas, chamadas de selvagens, apesar da aparência de pura simplicidade, possuíam valores diferentes dos nossos, mas nem por isso inferiores. Apenas possuíam uma concepção singular da vida, onde se percebiam como parte integrante da terra, e não proprietários dela. Ora, se somos partes integrantes da terra que nos supre e nos acomoda, logo não temos com o que nos preocupar gerando excedentes pelo medo da falta.

O trabalho não era encarado com uma tarefa árdua e maldita, de onde se deveria retirar uma compensação, através de acúmulos de bens. Os indivíduos trabalhavam e celebravam a vida, percebendo-se parte dela, sem a menor necessidade de controlá-la e controlar a outros. Produziam apenas o necessário para sua sobrevivência. Comiam quando tinham fome e dormiam quando tinham sono. Respeitavam o ritmo natural da vida que tinham e não tinham interesses maiores do que esses.

Uma forma de vida simples como essa, e ao mesmo tempo tão funcional, certamente provoca demais a ira de uma sociedade antagônica, onde o trabalho é visto como uma forma de se conquistar o poder, tentando controlar o fluxo da vida e de outras vidas tidas como “menores”e pouco ou nada “evoluídas”, de acordo com seus critérios. Essa sociedade se desgarrou da natureza e já não se reconhece mais como parte integrante dela. Tudo o que foge desse conceito é “menos” e precisa ser destruído ou aculturado.

Mas por que essa necessidade de controle de poder e acúmulos de excedentes? Por que tanta necessidade do extermínio daquilo que se mostra diferente? Talvez, um medo oculto de se ter que rever valores e modificar velhos conceitos.

O que torna uma sociedade superior a outra? Qual o critério, a referência para tamanha suposição?

Visto que nem a tecnologia, como a apresentação do metal, foi capaz de modificar os costumes indígenas, o que nos faz pensar que eles sejam “atrasados”?

Por que achar que eles possam estar à margem do caminho da evolução? Todo caminho deve nos levar a algum lugar, e toda a evolução deve ter um sentido. Qual será então o caminho? Qual o destino? E qual o sentido? Onde estará escrita esta resposta, de forma imparcial que poderia ser interpretada como um manual de sobrevivência no planeta?

Penso que vivermos como os índios, já seria quase impossível, depois de termos nos acostumado aos confortos tecnológicos que a produção de excedentes nos proporciona. Por outro lado, sendo índios, fatalmente a vida moderna, frustraria todos os anseios mais básicos de uma vida primitiva, mas não menos importante.

Creio que o melhor caminho de evolução do povo indígena, seja o de viver como indígenas que são, dentro dos seus costumes e da sua liberdade tão civilizadamente natural. Enquanto que o melhor caminho de evolução da sociedade, tida como “civilizada”, seja a verdadeira civilização de seu modo selvagem de pensar, ou seja, aceitando as diferenças e seguir sua jornada tecnológica, porém desenvolvida para o bem comum. Ambos os caminhos estão certos, e perfeitos dentro de suas imperfeições. As evoluções são paralelas.

E nós, “afro-ameríndios-europeus”, qual a nossa verdadeira identidade, visto que somos uma mistura de raças tão diferentes? Como diz Sérgio Buarque de Holanda, “somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra”. Sendo assim que caminho(?) de evolução(?) seguir?

Autora: Sandra Mara Baptista

Inspiração: Sociedade contra o Estado, A. CLASTRES, Pierre